... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...


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Em associação com Casa Pyndahýba Editora

Ano I Número 1 - Janeiro 2009

Crônica - Dorival Fontana

O Primeiro Mico


Hoje tomei uma decisão importante. Após inúmeros incentivos de amigos e insistentes apelos da família resolvi livrar-me do preconceito adquirido pela desinformação, e devo confessar que a simples hipótese de possuir “um” sempre me causou receio, para não dizer medo... medo de não conseguir dominar os conhecimentos necessários e me frustrar com isso. Foi preciso coragem para sair do ostracismo. Apesar das minhas restrições pessoais, uma pressão interior me incomodava progressivamente há tempos. Talvez eu seja o único ser pensante à margem da era digital! Honestamente, um sentimento vazio afligia-me, um questionamento consumista de não ter algo que todas as pessoas têm. Não só por isso é claro, mas uma sensação de incompletação me aporrinhava a consciência, até que um dia comprei-o e a minha vida transformou-se completamente... tornou-se um inferno!

O primeiro passo foi pesquisar preço, modelo, velocidade, capacidade de armazenamento de dados e tantas outras especificações das mais variadas possíveis, tão inúteis para o meu parco intelecto. Reconheci que eu era muito mais ignorante no assunto do que imaginava, e resolvi fazer um curso de computação intensivo só para descobrir que realmente não entendo absolutamente nada de informática e não tenho a mínima inclinação para a coisa, porém era necessário ter um conhecimento básico, para não ser enrolado pelos inescrupulosos vendedores de sonhos digitais.

Ao me deparar com o valor do bem percebi que ia gastar demais, tentei persuadir-me que a aquisição seria um investimento. Contudo, por mais que eu me esforçasse não conseguia me convencer. Na verdade dá no mesmo, o importante é eximir da consciência a culpa. Ponderando os dois lados resolvi então gastar o suado dinheirinho no tal investimento ou investir o dinheiro no tal gasto. Pesquisei muito e diante da diversidade de ofertas do mercado consegui um autêntico negócio da China, visivelmente assinalado em todos os seus componentes MADE IN...

Naquele dia cheguei em casa com a surpresa em mãos, as crianças até queriam chamar os vizinhos, mas por precaução achei melhor aguardar os acontecimentos antes de espalhar a notícia. Lembrei-me do embaraçoso lançamento do Windows 2000 transmitido ao vivo pela TV para o mundo, onde o sistema não funcionou diante de milhões de telespectadores. Não sou o Bill Gates, mas tenho um nome a zelar! Desembrulhamos com o máximo de cuidado possível todos os componentes, a expectativa era muito grande, todos aguardavam a chegada do ente cibernético tão querido. Ninguém ficou de fora na tarefa de montá-lo a não ser o vovô e a vovó que acompanhavam com o olhar atônito o movimento incessante de cada um. Conferi todos os acessórios: mouse, teclado, monitor, caixas de som, mouse pad(?), e finalmente tudo estava pronto. Após uma pequena pausa, um suspiro aliviado de trabalho cumprido, e estávamos frente a frente, homem e máquina interagindo. A apreensão era grande, eu estava nervoso diante daquele monstro metálico. Hesitei por um instante até pressionar o botão ”start”, a torcida desorganizada ao meu redor insinuava um coro mentalmente perturbador - Liga! Liga! Liga! O meu rosto transpirava, o pânico apossou-se de mim, as minhas mãos tremiam, não conseguiam mirar na direção correta, até que num movimento certeiro acionei o botão com toda força! Frustração geral, o bicho não ligou. O desânimo caiu sobre a família inteira, alguns disfarçadamente debandaram do local, outros tentaram consolar-me com tapinhas nas costas dizendo: Isso acontece! Entretanto, a maioria fuzilou-me com um silêncio desconfortável e um olhar recriminatório. Ainda tentei abrandar a situação: - Calma pessoal! Vamos checar as conexões, reapertar os cabos, tirar o meu dedo daqui, dar um chute nessa porcaria! Eu não podia perder o controle, afinal possuía o conhecimento técnico básico adquirido num curso intensivo à distância.

Após exaustivos minutos na tentativa de detectar o erro, utilizei uma técnica muito apurada chamada “entre tapas e beijos”. Primeiro liga-se o computador acariciando-o e sussurrando: funciona, funciona! Depois entra a parte da fé, onde você cruza os dedos e reza! A última fase consiste em tapas e socos na parafernália eletrônica. Se nada disso resolver é recomendável consultar o manual! Procurei e só encontrei um aviso dizendo: “manual não incluso nessa versão”. Ligo para a loja e uma gravação responde: “esse número de telefone não existe”. Preocupado, fui direto à loja tentar solucionar o problema, e quando lá cheguei simplesmente não havia mais loja, apenas um salão ecoando os meus passos desorientados. Sentei-me por um instante para pôr o processador no lugar, digo, a cabeça no lugar. Levantei-me decidido a resolver a questão, e não foi preciso andar muito para encontrar uma assistência técnica. Fui prontamente atendido por um sujeito de cabelos longos, barba por fazer, repleto de tatuagens pelo corpo e utilizava gírias num dialeto indecifrável ou alguma linguagem de programação que somente uma máquina ou outro louco entenderia. Em certos momentos parecia mais um carpinteiro, pois só falava em PAU: deu pau, deu pau! Perguntei então:

- Que diabo de pau é esse meu filho?

- Sem chance tio! Deu PAU GERAL! Tem que trocar a placa mãe.

- O que a minha mãe tem a ver com isso? Ainda não coloquei a mãe no meio, e muito menos no pau!

- Calma tio, o papo é sério. O pau é feio!

- E eu sou homem de reparar se o pau é feio ou bonito!

Peguei o meu pau, digo, o meu micro, com a minha serenidade rompida ao primeiro byte e procurei outra assistência técnica. Fui atendido por um senhor de aparência asiática, sotaque incompreensível, com um sorriso idiota e inexplicável no rosto. Tentei inutilmente expor o problema para o homem que, sem esboçar uma palavra raptou a máquina das minhas mãos e desapareceu por detrás de uma cortina vermelha para o fundo da loja. Após um longo tempo de espera o mago chinês retornou de seu refúgio sem o micro e falou:

- Mico luim plecisa tloca!

- Mico? Estamos falando de um computador ou de um primata?

- Máquina plobrema, sem conselto!

- Não é possível! A máquina é nova!

- Peça estagada, mãe da praca não boa! Compla ota. Pleço bom!

- Devolve já o meu micro seu Power Ranger de uma figa!

Invadi o local, resgatei o micro e saí em disparada dali. Inconsolado, não tive alternativa a não ser retornar para casa sem nenhuma perspectiva otimista. Cheguei sorrateiro, não queria encarar a família e explicar o inexplicável, exausto desabei sobre o sofá abraçado ao peso morto e desfaleci também.

Quanto ao micro, deu PAU mesmo! Contudo, aprendi que o primeiro micro a gente nunca esquece, e o primeiro mico também.